
Juro que não foi para causar suspense que atrasei a continuidade da publicação das partes do conto/romance/noveleta ou sei lá o quê. Meu computaddor, que também é mortal, pifou. Pois é, estou desconcetado do mundo virtual há vários dias, preferi não fazer às contas. Tudo bem que eu poderia ter utilizado os serviços de uma Lan House qualquer, mas é que tenho fobia desses lugares, depois explico. Vamos ao que interessa, ao final...
"(...)Não sou nada espiritualista e meu autocontrole se resume aos miligramas dos meus calmantes. Por isso, e por outras cositas más, não sei o que fez com que minhas pernas andassem até a saída do restaurante. Nunca passou pela minha cabeça em fazer algum tipo de barraco ou uma cena dramática. Apesar de temperamental, sei a hora exata de curvar o corpo e agradecer ao público. Fechando as cortinas, aí sim, a coisa muda de figura. Choro minhas mágoas, lamentos pelas ofensas não ditas, quebro coisas, rasgo roupas, enfim, faço o meu verdadeiro misancene.
Ele não veio atrás de mim, já esperava por isso, conheço bem aquele rapaz. O que mais desprezo em um pessoa, principalmente em um homem – as mulheres podem usar os hormônios como desculpa -, é a covardia. Não o critico por ter sido um escroto comigo, devo ter merecido. Dizem que você colhe o que planta. Detesto auto-ajuda e não entendo porra nenhuma de agricultura, mas é bem verdade, devo ter merecido uma dessas. O filho da puta conseguiu me enganar... Tudo ainda estava nublado em minha mente, precisava de respostas. Vários “por quês” inflamavam em minha garganta.
Fiquei parada mais ou menos uns vinte minutos em frente ao restaurante, em transe, atrapalhando o frenético trânsito de pessoas que iam e vinham. Resolvi caminhar até decidir o que fazer, não tinha muitas opções. Teria que voltar ao hotel para pegar minhas coisas, reencontrá-lo, tirar as ataduras, meter o dedo na ferida e arranjar um jeito de voltar para casa. Caminhei e tentei não lembrar daquela cena, daquela noite, mas não conseguia. Foi humilhante, eu fui ridicularizada. Enquanto pensava que meu querido estava prestes a ter um piripaque, descubro que a sua esposa também estava na cidade. Tudo bem que amantes correm riscos, eu sei disso, mas naquela viagem eu estaria ilesa, ele havia me garantido. Deixaríamos para trás os rótulos depreciativos e viveríamos o nosso romance como nunca o fizemos, nem jamais o faremos.
Parei em um bar “pé sujo” e pedi uma cerveja, havia caminhado demais e estava com a boca seca. “Será que o casalzinho fez as pazes e agora estão fodendo de bandinha?”; “Não... Eles não devem trepar há séculos”; “Aquela piranha deve dar para algum estagiário da academia que freqüenta”; “Não, melhor, ela deve foder algum desses malabaristas de sinal”; comecei a rir descontroladamente.
- Ah, até que enfim um sorriso. – Era só o que me faltava, um conquistador de botequim.
- Deve ser por causa dos remédios. – Ele se interessa, puxa uma cadeira e senta.
- Remedinhos que fazem rir?! Hum... Estou bem interessado. – Alguém convidou esse palhaço a sentar?
- Na verdade, eles me fazem rir, chorar, vomitar, cagar, peidar, soluçar e, às vezes, causam até hemorragia. – Procuro meus cigarros na bolsa.
- Porra! Tá louca de tomar uma parada dessas?! – Diz e cospe em minha cara, não propositalmente.
- Devo estar, já que meu médico prescreveu. – Enxugo os pingos de saliva daquele homem. Argh!
- E o que é que você tem? – Chega mais perto.
- Sociopatia crônica. Conhece? – Merda, devo ter esquecido meus cigarros na mesa do restaurante.
- Cara, vou ter que resolver uma parada aí. Prazer... – Deu certo!
- O prazer foi todo meu. – Sorrio – GARÇOM! Vocês vendem cigarros? – Berro.
Bebo mais uma cerveja, fumo alguns cigarros, sozinha, como sempre fui, como sempre deveria ser. Minha mãe costuma dizer que tenho uma séria atração pelo sofrimento, segundo ela, parece que eu sinto prazer em sofrer. Na verdade, ela não está errada, mas não a deixo ter conhecimento sobre isso, dona Rubi já é bastante presunçosa. Costumo dizer que o sofrimento fortalece, enrijece o coração, e como tudo na vida é laboratório, ando por aí em busca de amargores e derramamentos de lágrimas. Mas, dessa vez, não segui passo a passo o manual de instruções, burlei as regras do professor e tive que ficar de molho por excesso de exercício. Como disse, tudo na vida é laboratório.
Já estava “alta” quando deixei o restaurante, agora, estava bêbada. Tinha que voltar ao hotel, minhas coisas estavam lá... Caminhei mais um pouco até encontrar um táxi. Nada, todos ocupados. Andei feito uma puta cansada depois de uma noite de serviço. Ouvia buzinadas, assovios, “gostosa”, “me chupa”, “te chupo”, “te como todinha”, e mais uma série de baixarias que qualquer mulher, visivelmente embriagada, escutaria se saísse por aí cambaleando. Uma alma caridosa resolveu parar, e não era um possível cliente querendo uma chupada, era um taxista.
- Qual o destino, senhora? – Serve o inferno?
- É... Aquele hotel pomposo que acabaram de construir. – Quase não consegui falar.
- Hum... A senhora lembra do nome? – Você ta brincando comigo, não é?!
- Meu nome é Malu, mas pode me chamar de Lulu. Você é bicha? – Falei, quase soletrando.
- Não, senhora. Mas, qual o nome do hotel? – Já perdendo a paciência.
- Porque, se você fosse bicha com certeza me chamaria de Lulu, todas me chamam assim... – Acendo um dos cigarros vagabundos que comprei no boteco.
- O nome do hotel! – Danou-se! Perdeu o senso de humor, perdeu tudo.
- Ih, nem lembro! É um bonitão, novão, bem chique. – Digo, imitando uma criança.
- Senhora, eu vou ter que parar o carro. Não é permitido fumar! – Eu apago o cigarro no vidro.
- Tudo bem, desculpa! Deixa eu me concentrar... – Cubro os olhos com as costas das mãos.
- Ok...
- Bem... Eu continuo não lembrando o nome. Mas, o senhor pode me emprestar seu celular? – O único número de telefone que conseguia lembrar era o do celular da Andréia.
- Mas a senhora vai ter que ligar a cobrar, não tenho créditos. – Me passa o aparelho.
- (disco o número umas trinta vezes, até acertar)
- 'Gata, onde eu estou hospedada?' – Ela grita, parece que ainda tem muita gente no restaurante.
- Pergunta um ponto de referência. – Sussurra o motorista aflito.
- 'Ãhan... Sei... É melhor você falar com o taxista' – Passo o celular para o seu dono. – Acho que a ligação é para você. – Brinco.
- 'Boa noite! Me desculpa...' – Fala com a Andréia como se ela fosse a minha mãe.
- (silêncio)
- 'Tudo bem, parece que ela bebeu um pouco além da conta...' – Já estava quase cochilando.
- Na conta de quem? Eu paguei tudo. – Grito em um sobressalto.
- 'Pode deixar... Ela deu sorte! Até logo...' – Pareciam velhos amigos.
- E aí? Achou meu hotel? – Pergunto e logo em seguida bocejo.
- Estamos quase chegando. Você tem uma boa amiga, sabia?! – Pela primeira vez ele me olha pelo retrovisor.
- Até que eu tenho sorte para amigos. – Pelo menos.
- Então você tem tudo. – Ih, conversa de taxista a essa hora, não!
- Ãhan... – Encosto meu rosto no vidro da janela.
- Chegamos. – Diz, satisfeito, como se acabasse de cumprir uma missão de guerra.
- Já? Eu estava adorando o passeio... – Estava quase dormindo.
- Senhora, estamos rodando há horas. – Querido, bêbado não tem noção de tempo.
- Quanto eu devo? – Meu deus, estou um caco!
- A senhora não precisa se preocupar, sua amiga se responsabilizou pela corrida. – Que anjo!
- Beijinhos, Lulu! – Assim que desço do carro, tropeço no meio-fio e caio no chão. Pelo menos já estava em frente ao hotel quando desmaiei.
Apesar de ter apagado exaurida, até que acordei cedo. Ainda cansada e com uma baita ressaca moral, continuei alguns minutos paralisada na mesma posição em que me encontrava, de bruços, com o rosto imprensado no colchão. O quarto estava um pouco iluminado, resolvi olhar em volta para ver o que realmente tinha acontecido pós-desmaio alcoólico. Quase não acreditei, ele estava deitado ao meu lado, com os olhos abertos e o braço direito sobre a testa, como se contemplasse o teto enquanto pensava no que fazer, estava com um semblante preocupado e ao mesmo tempo desconsolado. Foda-se! Dessa vez não seria eu quem lhe ofereceria um ombro. Assim que percebi que tinha companhia, mais do que indesejada, levantei abruptamente.
- Não vou demorar. É só o tempo de tomar um banho e arrumar a minha mala. – Mais seca do que o agreste.
- Não precisa ter pressa, a diária vai até o meio dia. – Disse, ainda estático.
- E que horas são? – Ponho as mãos na cintura, costumo fazer isso quando quero demonstrar indiferença, herdei esse trejeito da minha mãe.
- São oito horas. – Parece adivinhar as horas, nem se quer olhou no relógio ou no visor do celular.
- Ótimo. Antes das dez eu já deixo o quarto livre. – Entro no banheiro.
Estava de ressaca, tinha que me controlar. Não sei se costuma acontecer com você, mas, normalmente, fico extremamente grosseira e descontrolada quando estou de ressaca. Nesse caso, a situação ainda era pior, tinha uma séria discussão em vista. Por isso, tentei me acalmar para não dar vazão às suas possíveis táticas de defesa, sabia de co e salteado tudo o que ele alegaria a favor da sua situação, mas eu também já sabia como acusá-lo, tinha o meu plano. O banho estava delicioso, eu estava lenta, mas precisava me apresar, não podia perder um minuto sequer do tão esperado quizz “Por que você é tão filho da puta?”.
- Podemos conversar? Digo... Você está se sentindo bem? – Estou secando os meus cabelos, enrolada em um roupão.
- Estou ótima, pode dizer! – Continuo olhando para o espelho.
- Malu, você desmaiou na porta do hotel. Se eu não estivesse aqui? – Agora, ele está sentando na beirada da cama, em direção a porta do banheiro.
- Desmaiar? Eu não desmaiei, eu só tirei um cochilo. Se você não estivesse aqui, com certeza Lulu me ajudaria. – Falei, segura.
- Lulu? Quem porra é Lulu? – Começa a gesticular.
- A bicha do taxista. Cadê a sua esposa? – Calma, Malu.
- Ela está hospedada em outro lugar. Depois do incidente de ontem nós tivemos uma briga muito feia, não sei se o casamento vai resistir. – Desabafa.
- Ele nunca existiu. – Sarcástica.
- Eu lhe devo explicações... – O covarde resolve mostrar que tem colhões?!
- A única coisa que você me deve é a fatura do hotel. Me meteu em suas tramóias, agora, me tira delas. – Fria.
- Isso já está resolvido. Tenho que te explicar por que ela veio parar aqui... – Está quase chorando. Quer compaixão? Procura a APAE.
- Já sei! Já sei! Na verdade, o tal primo da esposa era a própria, em carne e osso, ou melhor, em ossos. – Não pude perder a piada, já havia perdido o amante mesmo.
- É... Não tinha primo algum. – Abaixa a cabeça.
- Mas, uma dúvida em especial me deixa bastante intrigada. Sua esposa não me pareceu uma mulher burra, nem tampouco ingênua. Eu ouvi você falando ao telefone com um homem, pelo menos era assim que você tratava a pessoa do outro lado da linha. Como a amante, neste caso, era eu, qual desculpa você usou para se dirigir a sua mulher daquela forma? – Perguntei.
- Não era minha mulher, era o Rodrigo. – Rodrigo?
- Só um momento. Você disse que não havia primo algum... – Quantas mentiras.
- E não há. O Rodrigo é um amigo da empresa que me ajudou nessa enrascada em que me meti. – Um cúmplice.
- E como você se comunicava com a sua esposa? Como ela veio parar aqui? Desculpa o interrogatório, mas é que estou um pouco confusa. – Tento manter a calma.
- O Rodrigo é meu assistente, é ele quem cuida da minha vida profissional... – Um puxa-saco.
- E da pessoal também! – Interrompo seu raciocínio.
- Posso continuar? – Ergue os olhos.
- Por favor... – Não consigo nem olhar em seu rosto.
- Assim que a minha esposa descobriu a cidade onde seria a “convenção” ficou muito excitada. Ligou para meu assistente, o Rodrigo, e planejou uma surpresa em comemoração aos nossos doze anos de casados. – Que crápula.
- Como? Você comemorou seus doze anos de casado com sua amante? – Digo, incrédula.
- Graças ao Rodrigo, não. – Homem é mesmo tudo igual.
- Quando foi o aniversário? – Pela primeira vez no dia consigo olhar em seus olhos.
- Na quinta-feira. – Viro as costas.
- Mas, na quinta-feira você estava comigo. Quer dizer... – Paro, boquiaberta.
- Não a noite inteira. Estou me sentindo péssimo, mas preciso te contar tudo. – Já não sei mais se quero saber a verdade.
- É o mínimo... – Digo, baixinho, quase sem voz.
- Minha esposa pretendia se hospedar no mesmo hotel em que aconteceria a tal convenção, ou seja, este, mas o Rodrigo a convenceu de que seria mais confortável se escolhesse outro local para ficar hospedada. Por isso, consegui contornar a situação do aniversário de casamento. Para você, eu estava com o tal primo, para minha esposa, eu usei a desculpa de que precisava acompanhar um grupo de executivos estrangeiros a uma festa. – Quanta criatividade.
- Deve ter dado um trabalhão... – Que filho da puta.
- Mas valeu a pena, se não fosse pelo incidente do bistrô. – Abaixa os olhos novamente.
- Uma pena seu plano não ter dado certo. Acho melhor você demitir o Rodrigo. Mas, você ainda não me disse como se comunicava com sua esposa. – Estou mais curiosa do que enfurecida.
- No banheiro, enquanto você dormia, através do Rodrigo, eu dava um jeito... Qual a importância disso agora? – Diz, extremamente impaciente.
- Só mais uma coisa e você está dispensado, tenho uma dúvida que ainda assola a minha mente. – Cínica.
- O quê? – Preocupado.
- Qual a desculpa que você usava para não dormir com ela? Sim, porque as conferências costumam acontecer durante o dia. – Procuro o que vestir.
- Já falei, entretendo os gringos. Além do que, foi só por uma noite, na outra tudo foi por água abaixo. – Jeans, camiseta e um cardigã, está meio frio.
- Hum... Foi o que imaginei, só queria confirmar. 'Você sabe, meu bem. Esses gringos varam a noite enchendo a cara e sempre precisam de companhia. Daí, acabo dormindo no hotel mesmo' – Imito a voz dele.
- Que merda ela ter achado o bistrô ontem a noite. – Enquanto eu estou exultante com a minha performance, ele parece procurar um objeto cortante.
- Querido, todo o Guarujá sabia da inauguração desse restaurante. Além do mais, a Andréia distribuiu alguns convites pelos melhores hotéis da cidade. Sua esposa não tem cara de quem se hospeda em qualquer espelunca. – Fecho a mala.
- Não! Ela é uma mulher muito requintada. – Não preciso ouvir isso.
- Bom... Eu não te devo nada, você não me deve nada, enfim, estamos quites. Como havíamos combinado, estamos voltando hoje para São Paulo. – Ponho os óculos escuros e pego a minha bolsa grande da Balenciaga.
- Você não vai voltar comigo? – Surpreso?
- Hum... Não! Você já tem companhia... Vê se cria juízo e não sai por aí arranjando amantes, rapaz. – Aconselho.
- Malu, sempre Malu. Nada lhe atinge? – Pela primeira vez, em meses, sinto admiração em seu olhar.
- Sim, cerveja! Não viu como fiquei acabada?! Mas, não conta a ninguém, esse vai ser o nosso segredinho. – Fecho a porta.
Do lado de fora tudo é diferente, não contive as lagrimas e tive que me amparar na parede ao lado do quarto 404, o nosso quarto. Respirei fundo e caminhei, primeiro em passos arrastados, depois em pisadas firmes, mostrando que ali ressurgia uma nova mulher. Esperei o elevador sem nenhuma ansiedade ou nem sequer olhar para trás, ele nunca viria me implorar por misericórdia, essas coisas só acontecem em filmes. Desci, gélida, como se acabasse de sair de um velório, como se tivesse enterrado um marido, no meu caso, mais um. Estava firme, decidida e, no fundo, orgulhosa. Pela primeira vez, em toda a minha vida amorosa, segui meu plano a risca. Pedi ao recepcionista que me chamasse um táxi. Não precisei aguardar, já havia um em prontidão.
- Bom dia. Qual o destino, senhora? – Graças a Deus, um lugar seguro.
- Bom dia, para este endereço, por favor. – Entrego o cartão do bistrô da Andreia ao motorista. Havia marcado de encontrar com ela para resgatar meu celular e agradecer por tudo.
- Desculpa a intromissão, mas a senhora me parece bem melhor hoje. – Diz, completamente constrangido.
- Nós nos conhecemos? – Pergunto aturdida.
- Sim, fui eu quem trouxe a senhora ontem a noite. – Abaixa a cabeça, tímido.
- Ah, sim! Estou bem melhor... Pode ter certeza. O senhor nem imagina o quanto. – Respiro fundo e, mais uma vez, sigo em frente. "
Ele não veio atrás de mim, já esperava por isso, conheço bem aquele rapaz. O que mais desprezo em um pessoa, principalmente em um homem – as mulheres podem usar os hormônios como desculpa -, é a covardia. Não o critico por ter sido um escroto comigo, devo ter merecido. Dizem que você colhe o que planta. Detesto auto-ajuda e não entendo porra nenhuma de agricultura, mas é bem verdade, devo ter merecido uma dessas. O filho da puta conseguiu me enganar... Tudo ainda estava nublado em minha mente, precisava de respostas. Vários “por quês” inflamavam em minha garganta.
Fiquei parada mais ou menos uns vinte minutos em frente ao restaurante, em transe, atrapalhando o frenético trânsito de pessoas que iam e vinham. Resolvi caminhar até decidir o que fazer, não tinha muitas opções. Teria que voltar ao hotel para pegar minhas coisas, reencontrá-lo, tirar as ataduras, meter o dedo na ferida e arranjar um jeito de voltar para casa. Caminhei e tentei não lembrar daquela cena, daquela noite, mas não conseguia. Foi humilhante, eu fui ridicularizada. Enquanto pensava que meu querido estava prestes a ter um piripaque, descubro que a sua esposa também estava na cidade. Tudo bem que amantes correm riscos, eu sei disso, mas naquela viagem eu estaria ilesa, ele havia me garantido. Deixaríamos para trás os rótulos depreciativos e viveríamos o nosso romance como nunca o fizemos, nem jamais o faremos.
Parei em um bar “pé sujo” e pedi uma cerveja, havia caminhado demais e estava com a boca seca. “Será que o casalzinho fez as pazes e agora estão fodendo de bandinha?”; “Não... Eles não devem trepar há séculos”; “Aquela piranha deve dar para algum estagiário da academia que freqüenta”; “Não, melhor, ela deve foder algum desses malabaristas de sinal”; comecei a rir descontroladamente.
- Ah, até que enfim um sorriso. – Era só o que me faltava, um conquistador de botequim.
- Deve ser por causa dos remédios. – Ele se interessa, puxa uma cadeira e senta.
- Remedinhos que fazem rir?! Hum... Estou bem interessado. – Alguém convidou esse palhaço a sentar?
- Na verdade, eles me fazem rir, chorar, vomitar, cagar, peidar, soluçar e, às vezes, causam até hemorragia. – Procuro meus cigarros na bolsa.
- Porra! Tá louca de tomar uma parada dessas?! – Diz e cospe em minha cara, não propositalmente.
- Devo estar, já que meu médico prescreveu. – Enxugo os pingos de saliva daquele homem. Argh!
- E o que é que você tem? – Chega mais perto.
- Sociopatia crônica. Conhece? – Merda, devo ter esquecido meus cigarros na mesa do restaurante.
- Cara, vou ter que resolver uma parada aí. Prazer... – Deu certo!
- O prazer foi todo meu. – Sorrio – GARÇOM! Vocês vendem cigarros? – Berro.
Bebo mais uma cerveja, fumo alguns cigarros, sozinha, como sempre fui, como sempre deveria ser. Minha mãe costuma dizer que tenho uma séria atração pelo sofrimento, segundo ela, parece que eu sinto prazer em sofrer. Na verdade, ela não está errada, mas não a deixo ter conhecimento sobre isso, dona Rubi já é bastante presunçosa. Costumo dizer que o sofrimento fortalece, enrijece o coração, e como tudo na vida é laboratório, ando por aí em busca de amargores e derramamentos de lágrimas. Mas, dessa vez, não segui passo a passo o manual de instruções, burlei as regras do professor e tive que ficar de molho por excesso de exercício. Como disse, tudo na vida é laboratório.
Já estava “alta” quando deixei o restaurante, agora, estava bêbada. Tinha que voltar ao hotel, minhas coisas estavam lá... Caminhei mais um pouco até encontrar um táxi. Nada, todos ocupados. Andei feito uma puta cansada depois de uma noite de serviço. Ouvia buzinadas, assovios, “gostosa”, “me chupa”, “te chupo”, “te como todinha”, e mais uma série de baixarias que qualquer mulher, visivelmente embriagada, escutaria se saísse por aí cambaleando. Uma alma caridosa resolveu parar, e não era um possível cliente querendo uma chupada, era um taxista.
- Qual o destino, senhora? – Serve o inferno?
- É... Aquele hotel pomposo que acabaram de construir. – Quase não consegui falar.
- Hum... A senhora lembra do nome? – Você ta brincando comigo, não é?!
- Meu nome é Malu, mas pode me chamar de Lulu. Você é bicha? – Falei, quase soletrando.
- Não, senhora. Mas, qual o nome do hotel? – Já perdendo a paciência.
- Porque, se você fosse bicha com certeza me chamaria de Lulu, todas me chamam assim... – Acendo um dos cigarros vagabundos que comprei no boteco.
- O nome do hotel! – Danou-se! Perdeu o senso de humor, perdeu tudo.
- Ih, nem lembro! É um bonitão, novão, bem chique. – Digo, imitando uma criança.
- Senhora, eu vou ter que parar o carro. Não é permitido fumar! – Eu apago o cigarro no vidro.
- Tudo bem, desculpa! Deixa eu me concentrar... – Cubro os olhos com as costas das mãos.
- Ok...
- Bem... Eu continuo não lembrando o nome. Mas, o senhor pode me emprestar seu celular? – O único número de telefone que conseguia lembrar era o do celular da Andréia.
- Mas a senhora vai ter que ligar a cobrar, não tenho créditos. – Me passa o aparelho.
- (disco o número umas trinta vezes, até acertar)
- 'Gata, onde eu estou hospedada?' – Ela grita, parece que ainda tem muita gente no restaurante.
- Pergunta um ponto de referência. – Sussurra o motorista aflito.
- 'Ãhan... Sei... É melhor você falar com o taxista' – Passo o celular para o seu dono. – Acho que a ligação é para você. – Brinco.
- 'Boa noite! Me desculpa...' – Fala com a Andréia como se ela fosse a minha mãe.
- (silêncio)
- 'Tudo bem, parece que ela bebeu um pouco além da conta...' – Já estava quase cochilando.
- Na conta de quem? Eu paguei tudo. – Grito em um sobressalto.
- 'Pode deixar... Ela deu sorte! Até logo...' – Pareciam velhos amigos.
- E aí? Achou meu hotel? – Pergunto e logo em seguida bocejo.
- Estamos quase chegando. Você tem uma boa amiga, sabia?! – Pela primeira vez ele me olha pelo retrovisor.
- Até que eu tenho sorte para amigos. – Pelo menos.
- Então você tem tudo. – Ih, conversa de taxista a essa hora, não!
- Ãhan... – Encosto meu rosto no vidro da janela.
- Chegamos. – Diz, satisfeito, como se acabasse de cumprir uma missão de guerra.
- Já? Eu estava adorando o passeio... – Estava quase dormindo.
- Senhora, estamos rodando há horas. – Querido, bêbado não tem noção de tempo.
- Quanto eu devo? – Meu deus, estou um caco!
- A senhora não precisa se preocupar, sua amiga se responsabilizou pela corrida. – Que anjo!
- Beijinhos, Lulu! – Assim que desço do carro, tropeço no meio-fio e caio no chão. Pelo menos já estava em frente ao hotel quando desmaiei.
Apesar de ter apagado exaurida, até que acordei cedo. Ainda cansada e com uma baita ressaca moral, continuei alguns minutos paralisada na mesma posição em que me encontrava, de bruços, com o rosto imprensado no colchão. O quarto estava um pouco iluminado, resolvi olhar em volta para ver o que realmente tinha acontecido pós-desmaio alcoólico. Quase não acreditei, ele estava deitado ao meu lado, com os olhos abertos e o braço direito sobre a testa, como se contemplasse o teto enquanto pensava no que fazer, estava com um semblante preocupado e ao mesmo tempo desconsolado. Foda-se! Dessa vez não seria eu quem lhe ofereceria um ombro. Assim que percebi que tinha companhia, mais do que indesejada, levantei abruptamente.
- Não vou demorar. É só o tempo de tomar um banho e arrumar a minha mala. – Mais seca do que o agreste.
- Não precisa ter pressa, a diária vai até o meio dia. – Disse, ainda estático.
- E que horas são? – Ponho as mãos na cintura, costumo fazer isso quando quero demonstrar indiferença, herdei esse trejeito da minha mãe.
- São oito horas. – Parece adivinhar as horas, nem se quer olhou no relógio ou no visor do celular.
- Ótimo. Antes das dez eu já deixo o quarto livre. – Entro no banheiro.
Estava de ressaca, tinha que me controlar. Não sei se costuma acontecer com você, mas, normalmente, fico extremamente grosseira e descontrolada quando estou de ressaca. Nesse caso, a situação ainda era pior, tinha uma séria discussão em vista. Por isso, tentei me acalmar para não dar vazão às suas possíveis táticas de defesa, sabia de co e salteado tudo o que ele alegaria a favor da sua situação, mas eu também já sabia como acusá-lo, tinha o meu plano. O banho estava delicioso, eu estava lenta, mas precisava me apresar, não podia perder um minuto sequer do tão esperado quizz “Por que você é tão filho da puta?”.
- Podemos conversar? Digo... Você está se sentindo bem? – Estou secando os meus cabelos, enrolada em um roupão.
- Estou ótima, pode dizer! – Continuo olhando para o espelho.
- Malu, você desmaiou na porta do hotel. Se eu não estivesse aqui? – Agora, ele está sentando na beirada da cama, em direção a porta do banheiro.
- Desmaiar? Eu não desmaiei, eu só tirei um cochilo. Se você não estivesse aqui, com certeza Lulu me ajudaria. – Falei, segura.
- Lulu? Quem porra é Lulu? – Começa a gesticular.
- A bicha do taxista. Cadê a sua esposa? – Calma, Malu.
- Ela está hospedada em outro lugar. Depois do incidente de ontem nós tivemos uma briga muito feia, não sei se o casamento vai resistir. – Desabafa.
- Ele nunca existiu. – Sarcástica.
- Eu lhe devo explicações... – O covarde resolve mostrar que tem colhões?!
- A única coisa que você me deve é a fatura do hotel. Me meteu em suas tramóias, agora, me tira delas. – Fria.
- Isso já está resolvido. Tenho que te explicar por que ela veio parar aqui... – Está quase chorando. Quer compaixão? Procura a APAE.
- Já sei! Já sei! Na verdade, o tal primo da esposa era a própria, em carne e osso, ou melhor, em ossos. – Não pude perder a piada, já havia perdido o amante mesmo.
- É... Não tinha primo algum. – Abaixa a cabeça.
- Mas, uma dúvida em especial me deixa bastante intrigada. Sua esposa não me pareceu uma mulher burra, nem tampouco ingênua. Eu ouvi você falando ao telefone com um homem, pelo menos era assim que você tratava a pessoa do outro lado da linha. Como a amante, neste caso, era eu, qual desculpa você usou para se dirigir a sua mulher daquela forma? – Perguntei.
- Não era minha mulher, era o Rodrigo. – Rodrigo?
- Só um momento. Você disse que não havia primo algum... – Quantas mentiras.
- E não há. O Rodrigo é um amigo da empresa que me ajudou nessa enrascada em que me meti. – Um cúmplice.
- E como você se comunicava com a sua esposa? Como ela veio parar aqui? Desculpa o interrogatório, mas é que estou um pouco confusa. – Tento manter a calma.
- O Rodrigo é meu assistente, é ele quem cuida da minha vida profissional... – Um puxa-saco.
- E da pessoal também! – Interrompo seu raciocínio.
- Posso continuar? – Ergue os olhos.
- Por favor... – Não consigo nem olhar em seu rosto.
- Assim que a minha esposa descobriu a cidade onde seria a “convenção” ficou muito excitada. Ligou para meu assistente, o Rodrigo, e planejou uma surpresa em comemoração aos nossos doze anos de casados. – Que crápula.
- Como? Você comemorou seus doze anos de casado com sua amante? – Digo, incrédula.
- Graças ao Rodrigo, não. – Homem é mesmo tudo igual.
- Quando foi o aniversário? – Pela primeira vez no dia consigo olhar em seus olhos.
- Na quinta-feira. – Viro as costas.
- Mas, na quinta-feira você estava comigo. Quer dizer... – Paro, boquiaberta.
- Não a noite inteira. Estou me sentindo péssimo, mas preciso te contar tudo. – Já não sei mais se quero saber a verdade.
- É o mínimo... – Digo, baixinho, quase sem voz.
- Minha esposa pretendia se hospedar no mesmo hotel em que aconteceria a tal convenção, ou seja, este, mas o Rodrigo a convenceu de que seria mais confortável se escolhesse outro local para ficar hospedada. Por isso, consegui contornar a situação do aniversário de casamento. Para você, eu estava com o tal primo, para minha esposa, eu usei a desculpa de que precisava acompanhar um grupo de executivos estrangeiros a uma festa. – Quanta criatividade.
- Deve ter dado um trabalhão... – Que filho da puta.
- Mas valeu a pena, se não fosse pelo incidente do bistrô. – Abaixa os olhos novamente.
- Uma pena seu plano não ter dado certo. Acho melhor você demitir o Rodrigo. Mas, você ainda não me disse como se comunicava com sua esposa. – Estou mais curiosa do que enfurecida.
- No banheiro, enquanto você dormia, através do Rodrigo, eu dava um jeito... Qual a importância disso agora? – Diz, extremamente impaciente.
- Só mais uma coisa e você está dispensado, tenho uma dúvida que ainda assola a minha mente. – Cínica.
- O quê? – Preocupado.
- Qual a desculpa que você usava para não dormir com ela? Sim, porque as conferências costumam acontecer durante o dia. – Procuro o que vestir.
- Já falei, entretendo os gringos. Além do que, foi só por uma noite, na outra tudo foi por água abaixo. – Jeans, camiseta e um cardigã, está meio frio.
- Hum... Foi o que imaginei, só queria confirmar. 'Você sabe, meu bem. Esses gringos varam a noite enchendo a cara e sempre precisam de companhia. Daí, acabo dormindo no hotel mesmo' – Imito a voz dele.
- Que merda ela ter achado o bistrô ontem a noite. – Enquanto eu estou exultante com a minha performance, ele parece procurar um objeto cortante.
- Querido, todo o Guarujá sabia da inauguração desse restaurante. Além do mais, a Andréia distribuiu alguns convites pelos melhores hotéis da cidade. Sua esposa não tem cara de quem se hospeda em qualquer espelunca. – Fecho a mala.
- Não! Ela é uma mulher muito requintada. – Não preciso ouvir isso.
- Bom... Eu não te devo nada, você não me deve nada, enfim, estamos quites. Como havíamos combinado, estamos voltando hoje para São Paulo. – Ponho os óculos escuros e pego a minha bolsa grande da Balenciaga.
- Você não vai voltar comigo? – Surpreso?
- Hum... Não! Você já tem companhia... Vê se cria juízo e não sai por aí arranjando amantes, rapaz. – Aconselho.
- Malu, sempre Malu. Nada lhe atinge? – Pela primeira vez, em meses, sinto admiração em seu olhar.
- Sim, cerveja! Não viu como fiquei acabada?! Mas, não conta a ninguém, esse vai ser o nosso segredinho. – Fecho a porta.
Do lado de fora tudo é diferente, não contive as lagrimas e tive que me amparar na parede ao lado do quarto 404, o nosso quarto. Respirei fundo e caminhei, primeiro em passos arrastados, depois em pisadas firmes, mostrando que ali ressurgia uma nova mulher. Esperei o elevador sem nenhuma ansiedade ou nem sequer olhar para trás, ele nunca viria me implorar por misericórdia, essas coisas só acontecem em filmes. Desci, gélida, como se acabasse de sair de um velório, como se tivesse enterrado um marido, no meu caso, mais um. Estava firme, decidida e, no fundo, orgulhosa. Pela primeira vez, em toda a minha vida amorosa, segui meu plano a risca. Pedi ao recepcionista que me chamasse um táxi. Não precisei aguardar, já havia um em prontidão.
- Bom dia. Qual o destino, senhora? – Graças a Deus, um lugar seguro.
- Bom dia, para este endereço, por favor. – Entrego o cartão do bistrô da Andreia ao motorista. Havia marcado de encontrar com ela para resgatar meu celular e agradecer por tudo.
- Desculpa a intromissão, mas a senhora me parece bem melhor hoje. – Diz, completamente constrangido.
- Nós nos conhecemos? – Pergunto aturdida.
- Sim, fui eu quem trouxe a senhora ontem a noite. – Abaixa a cabeça, tímido.
- Ah, sim! Estou bem melhor... Pode ter certeza. O senhor nem imagina o quanto. – Respiro fundo e, mais uma vez, sigo em frente. "
Um comentário:
sugiro: Aprender a Viver de Luc Ferry, filosofia ao pé da letra.
;)
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