quinta-feira, 5 de abril de 2007

6ª Parte - "Vamos ao clitoris..."




"(...)Meus sentimentos estavam confusos, já não os dominava, estavam possuídos. Acordei ressacada, carente e estranhamente feliz. Protegida pelo homem que amava, cercada pelos braços do meu algoz. Depois da mordida, o assopro. Depois dos insultos, os sonetos de amor. Estava paralisada, sem conseguir levantar da cama, estava em um hotel. Sonhei demais, a queda foi grande. Com ele, me sentia ultrajada, porém feliz. Mas, sem ele, me sentia insatisfeita e extremamente em paz. Pelo que optar? Uma felicidade travestida de angústia, ou um apaziguado bem-estar? Não sabia, até hoje não sei... Nunca olho para trás, atrapalha o presente e atrasa o futuro.

- Dormiu bem? – Fala baixinho com uma voz satisfeita.
- Dormi... Mas, ainda estou cansada. Vamos ficar mais um pouco na cama? – Quero fazer amor. Dessa vez, consciente.
- Que horas são? – Pergunta enquanto se espreguiça.
- Não sei, estou sem meu celular. – Esqueci na casa da Andréia, ela deve estar preocupada.
- Vou atrás do meu... – Levanta completamente nu. Como ele é lindo, atraente...
- Vou ligar para minha amiga, ela deve estar preocupada, sai e não avisei nada. – Pego o telefone que está ao meu lado da cama.
- Porra! Já são quase duas da tarde... – Corre para o banheiro.
- “Alô, boa tarde. Gostaria de uma ligação...”.
- Tenho que dar um jeito no carro e marquei de almoçar com o Rodrigo.
– Grita do chuveiro.
- “Ah, ok. Então é só discar o três?!”.
- Você não sabe o que aconteceu com o carro... – Continua no banho.
- “Obrigada”. – Desligo ansiosa... – O que aconteceu com o carro? Quem é o Rodrigo?
- O carro está quase sem bateria. Rodrigo? Ué... O primo da minha esposa. – Escuto o barulho do boxe, abrindo e fechando.
- Ah... O tal primo. – Resolvi não brigar, não agora.
- Me desculpa, amor. Eu volto num instante. – Se enxuga.
- Tudo bem, eu almoço aqui mesmo no quarto... – Faço charminho.
- Por que você não vai encontrar sua amiga? – Ih, tenho que ligar para ela.
- Ela deve estar muito ocupada. Esqueceu que inaugura um bistrô hoje?! – Disco...
- Ah, é! – Se veste...
- “Amiga? Gata, desculpa ter saído sem avisar...” – Ela nem lembra que estou no Guarujá.
- O que você acha de darmos umas volta quando eu chegar? – Faço sinal positivo. Detesto quem me interrompe enquanto estou falando ao telefone.
- “Não, não fui raptada. Ou melhor, quase isso... Depois te explico”.
- Não conheço muito o Guarujá, e como você é quase uma nativa... – Ele não para de falar!
- “Ok... Está precisando de ajuda? Qualquer coisa, estou livre”.
- Meu amor, estou indo... – Beija minha testa e sai.
- “Você faria isso? Não vai te atrapalhar? Nossa... Seria ótimo”. – Continuo falando ao telefone quando ele deixa o quarto.

A Andréia quase não falava comigo, eu era apenas uma ouvinte da gritaria lá no bistrô. Mesmo assim, consegui dar satisfações sobre o meu paradeiro e ainda ganhei um agrado: ela mandou um dos seus funcionários levar minhas coisas ao hotel para onde havia migrado. Quando ela me perguntou em qual hotel estava, fiquei em pânico, não lembrava, apesar de eu mesma ter feito as reservas. Olhei ao redor, olhei nas roupas de cama, nada. Só fui descobrir quando achei um folheto informativo sobre os serviços daquela empresa.

Levantei da cama e dei uma volta pelo quarto, era grande. Fiz muito bem em escolher aquele hotel, não condizia em nada com o clima litorâneo da cidade, detesto praia. Comecei a entrar em pânico, o que fazer se ele demorar muito? Estava sozinha... Optei por um banho, dessa vez de banheira. Por incrível que pareça, não me abalei com o fato dele mais uma vez sair com o tal primo, que agora eu já conhecia pelo nome. Mas, o que me irritava era perceber que eu podia estar com minha amiga. Me estressando com ela, rindo, bebendo, dividindo, comemorando, enfim... Podia ter exercido o meu papel de melhor amiga. Comecei a ficar frustrada, o banho já não tinha tanta graça. Foi quando o telefone tocou e a recepcionista me informou que as minhas coisas haviam chegado. Foi bem rápido... Pedi que alguém levasse até o meu quarto, acabara de sair do banho. Vesti um roupão e perambulei ansiosa, sem ter o que fazer. Recebi meus pertences e um pacote extra, era pequeno e estava embrulhado com papel pardo. Fiquei curiosa... Sentada na cama, abri aquele embrulho, como uma criança excitada com o presente de natal. A tal caixa continha vários cigarros de maconha e um bilhete: “Amiga, sinto que você vai precisar. Deixa os Lexotans de lado. Beijos, Andréia”; poderia ser mais fofa? Agora, eu já tinha muito o que fazer...

Nem cheguei a me vestir, liguei a televisão e acendi um daqueles “baseados”. Não pensei em ir a alguma praia e ficar “viajando” em frente ao mar, nada disso. Pedi uma garrafa de champagne e, enquanto esperava bela bebida, deitei na cama e comecei a zapear os canais. Parei em um de música, adoro vídeo-clipes, sempre sonhei em atuar em algum. “Serviço de quarto”; adoro champagne. Como diria Napoleão: “Na vitória você merece, na derrota você precisa”; naquela ocasião, merecia e precisava. Brindei a mim, estava ótima. Acendo mais um cigarro de maconha, bebi mais uma taça, brindei mais uma vez. Aquele canal estava me angustiando, só clipes da década de oitenta, cansei. “O que será que o Diogo está fazendo? Bebendo cerveja?”. Fui à varanda, olhei a vista, bela vista... E se eu fosse uma celebridade? Se eu fosse a Madonna? Teria um batalhão de paparazzzis sanguinários esperando por um clique meu. Seria melhor usar óculos escuros... Gostei da combinação: roupão, grandes óculos escuros e uma toalha enrolada na cabeça em forma de turbante. Parecia uma celebridade. Comecei a dar tchauzinhos. Bebi mais uma taça de champagne, agora, sentada em uma espreguiçadeira na varanda do quarto. Fumei um cigarro, de tabaco mesmo. Estava glamurosa, doidona... “Que horas são? Pouco importa, já deve ser tarde”. “Devo me vestir para a inauguração do bistrô?”; pensei em voz alta. “Por que ele ainda não voltou?”.

Comecei a ficar paranóica, ele havia me abandonado ali, sozinha. “E agora? Não tenho dinheiro para pagar a conta... Deve ser cara”; “Tenho que bolar um plano para fugir”; entrei em parafuso. Fui várias vezes à porta, olhava o corredor encarpetado e tentava escutar a movimentação dos elevadores. Nada! Nem um sinal dele... Não conseguia lembrar o número do seu celular, o meu continuava na casa da Andréia, acho que ela não o encontrou em cima do sofá, na sala. “É melhor eu correr”.

- Recepção, boa tarde. – Detesto essa diplomacia de recepcionistas.
- Boa... Sabe o cara que está aqui comigo? – Consigo burlar qualquer ritual de bons modos.
- Desculpa, senhora? – Confuso...
- O meu marido. – hahaha
- Ah, o senhor que fez o check in. – Claro, como todo bom maridinho.
- Ele fez o check in? – Uma pergunta retórica. Estou orgulhosa.
- Sim, no nome da senhora. – COMO?
- Co... Com... Como? Por que em meu nome? – Confusa...
- Acho que a senhora não se sentia muito bem... – Sei que ele está rindo por dentro, rindo não, gargalhando.

Tudo parecia claro. Assim que saímos da casa da Andréia, na noite anterior, fomos a um bar e enchemos a cara. Eu já estava “alta” e muita puta. Fiquei mais pra lá do que pra cá e apaguei. “Mas, por que em meu nome?”.

- Em meu nome? – Estupefata!
- Sim, senhora. Maria de Lourdes Gouveia. – O nome completo? MEU DEUS!
- MALU! – Grito.
- Como, senhora? – Parece não entender, mas entendendo, sabe?!
- MALU! MA-LU. Meu nome é MALU. – Histérica.
- A senhora deseja mais alguma coisa? – Tenta acabar com aquela sandice.
- Ache o meu marido! – Estou louca...
- Creio que o senhor Márcio não esteja no hotel. – COMO É QUE É?
- Como? Márcio? Está louco... O nome dele é Diogo! Quer que eu soletre? – Ele inventou um nome? Estou fudida, ele foi embora.
- Senhora, acho que está havendo algum equívoco. – Parece apavorado, apesar de tentar demonstrar calma.
- Com certeza, vou processar esta joça. – Desligo.

Fiquei transtornada. Inúmeras perguntas perfuravam minha cabeça, estava confusa, em pânico. Pedi mais uma garrafa de champagne, ia fugir mesmo. Acendi mais um “baseado” e comecei a me vestir, dessa vez para ir embora. Precisava ser rápida e perspicaz, ele havia registrado o quarto em meu nome, meu nome completo. Comecei a beber no gargalo, compulsivamente, estava muito nervosa. “Preciso de um Lexotan. É isso!”; procurei em minha nécessaire o remédio e tomei dois comprimidos a goles de champagne. “Preciso ficar calma...”; não conseguia. Deitei na cama, voltei a zapear os canais, parei em um agrícola e tentei me entreter com um leilão de puro-sangues. O coração já não batia tão rápido, adoro cavalos. A mente já não questionava nada. A garrafa ainda estava em minha mão, bebi mais um pouco e afundei naquela king-size. “Por que ele fez isso?”; “Por que ele me deixou aqui?”; “Eu não merecia nada disso”; “Não vou mais embora... Vou ficar aqui”; “Vou morrer igual a Marilyn Monroe”; “Como ela morreu?”; “Ela não devia ter morrido”; “Li que ela era tão engraçada”; “Por quê?”; “Por que ela morreu?”; comecei a chorar, a me debulhar em lágrimas quentes. Meu pescoço estava torto, sustentado pela cabeceira acolchoada da cama. Os olhos começaram a pesar, estava triste, estava quase dormindo. A garrafa já estava no chão, assim como a minha dignidade. Estava quase dormindo... Escutava alguma coisa que se confundia com o barulho da TV, não conseguia distinguir os sons. O barulho ficava cada vez mais forte, gritos. Não conseguia erguer a cabeça. Mais barulho, batidas, era a porta. Deixei para lá e voltei aos cavalos, realmente adoro cavalos. O barulho cessa. Fecho os olhos, estava muito relaxada, quase feliz... Alguém abriu a porta, alguém gritou meu nome... Era ele, era o Diogo. Ele não havia me abandonado.(...)"

Nenhum comentário: